Ave,

As 3 pessoas que as vezes lêem o que eu escrevo me cobraram algo sobre o Mundial na Argentina. Bem, consegui um tempo agora, e achei que seria interessante compartilhar a experiência, me permitindo alguns devaneios atemporais e licenças poéticas. Vamos lá.

Habemus carreta

1 mês antes da partida, tive uns problemas na carreta e um amigo (o Shigueno) me disse “comece a pensar em um plano B”. Eu sou um otimista por natureza, mas o Shigueno em geral tem razão e vi que o meu otimismo estava cegando a realidade que era o fato de que eu não teria a nova carreta do YY pronta para o mundial. Conversei com o Batata, ele me emprestou a carreta do JW, e pude dormir em paz.

Habemus Batata

Um belo dia o Batata me liga e pergunta “tem algum cantinho para mim em Chavez?” Pois foi a melhor notícia que eu poderia receber. Me lembro que desliguei o telefone e pensei que de fato a equipe Brasileira tinha acabado de ganhar um diferencial competitivo.

Indo direto a um dos vários exemplos práticos: último dia de prova, decolei, analisei a meteoro e decidi que seria melhor dar a largada cedo. Isso não era consenso, pois a prova era destacadamente sub-dimensionada (o que cria todos aqueles start games), e uma camada de cirrus se aproximava da primeira área: uma opção era esperar o cirrus passar, e fazer a prova a seguir. O Batata, já íntimo do meteorologista Argentino, consegue então uma foto de satélite, faz com que o meteorologista sobreponha esta ao mapa de área usando o Google Earth, e em cima disto ele coloca a prova do dia. E me passa a seguinte mensagem no rádio: “o cirrus não vai atrapalhar a área 1: de fato ele mal vai entrar no setor norte da área.” Eu traduzi isso como “GO TO” e dei a largada a seguir. O horário de largada foi próximo do ideal, o que ajudou muito no bom resultado do dia (9º).

Não habemus trem de pouso

Estava satisfeito com os resultados dos treinos em Bebedouro com o YY, depois de mais de 2 anos sem voá-lo. Tinha calibrado o Cambridge bem, me adaptei rápido ao timming e características desse novo vario, assim como a diferença de peso entre os planadores (Nimbus com PMD de 750kg versus os 376kg que voaria o YY), e afinal o YY é o meu planador, sempre estou em casa com ele.

Todo vôo que faço nos finais de semana é encarado como um treino, e sempre é sério. Mesmo voando sozinho em um dia descompromissado, eu sempre vôo assim. Tinha feito uns vôos de Jantar YY sem carreta - sempre é desconfortável navegar sem carreta, e quando a situação era mais crítica eu pegava o Nimbus XX. Bati meu Record de ficar baixo no XX sem ligar motor (140 metros em um arado perto de Orlândia), e tinha flertado outras vezes com o terreno com o YY. E esse era o meu espírito, quando sentei no YY para fazer o último vôo de treino no Brasil: voar como se não me fosse dada uma segunda chance sobre a terra.

Bolei uma prova difícil para o dia, AAT de 3 horas em Matão, Catanduva, Barretos, que na última perna se complicou com uma chuva que cortou a minha proa em um planeio final que já estava apertado. Lembrei que o Ingo Renner disse que “se vc está treinando para um mundial e não pousou fora, então não está treinando para um mundial”. Selecionei 3 opções: dois arados e uma plantação de cana baixa (meio metro). Optei pela cana devido ao alinhamento com o vento forte, garantia de superfície regular, e facilidade de resgate. Eu já tinha pousado 2 ou 3 vezes em cana baixa, sempre ok. Seria o meu pouso fora de número 51. Após um toque perfeito e rolagem idem, nos últimos metros e bem devagar o planador gira 90 graus, sai do trilho e a roda pega em uma das fileiras de cana. Eram 5 horas da tarde de uma sexta-feira, eu ia colocar o YY na carreta para ir a Argentina no outro dia de manhã, e eu estava em uma plantação de cana, segurando o trem de pouso do YY em minhas mãos. O trem foi simples e cirurgicamente decepado. Para encurtar a estória, consegui chegar em Bauru de madrugada, e no sábado as 2 da tarde, graças ao Paulinho e ao Aeroclube de Bauru, o YY estava pronto para a batalha novamente – com o trem de pouso do Jantar 2 “IT”.

Se tem algo que eu gostaria de passar para vcs, é o que o meu amigo Claude Buchou me disse quando foi me resgatar: “oui, oui, pouso em cana tem 50% de chance de lenha”. Ele me disse isso, e eu imediatamente quis questionar – e foi quando eu percebi quão ridícula era a situação de se questionar um piloto com mais de 7.000 horas de vôo, segurando um trem de pouso nas mãos. Hoje eu acredito neste dito do Claude, e peço que vcs acreditem também – é muito mais barato aprender com o erro dos outros.

Chegando na Argentina fui direto a oficina do Mario Reynoso – “El Negro”, um dos maiores campeões Argentinos (8 vezes campeão nacional, e participou de uns 5 mundiais), uma figura ímpar. Colocamos o YY no dorso e terminamos de assentar a portinha do trem e ajustar o freio de roda, fazendo uma vedação legal. Foi bom porque fiquei amigo do Mario (tarefa fácil, ele é amigo de todos), e depois ele veio me pedir um favor, de servir de tradutor junto a equipe holandesa, que queria saber todos os macetes da região. Foi ótimo porque passei umas 3 horas ouvindo tudo o que se pode imaginar da região, os truques, as armadilhas, o que o vento poderia trazer de mudanças, a cunha, Sierra de la Ventana, etc. Aí antes de cada decolagem, ele sempre vinha dar um abraço e dar a dica da prova – eu perguntava “o que vc faria hoje se fosse vc?” E ele respondia de peito aberto.

O dia a dia

Na Argentina eu geralmente acordava antes das 6:00, na ponta dos pés para não acordar o Batata mas a nossa “casilla” não era exatamente um primor em termos de isolamento acústico – pobre Batata. Depois do banho eu analisava os vôos do dia anterior: o meu, dos pilotos que ganharam, dos que largaram em horário semelhante, e de pilotos bons que se deram mal. A idéia era compreender os erros e os acertos, se existia alguma tendência que estava se formando, se a estratégia vencedora do dia anterior poderia ser replicada. Aqui confesso uma falha: demorei para perceber uma estratégia que os Australianos estavam usando, que era de sempre largar cedo. O mesmo que o Ingo Renner fez de ASH25 em Mafeking 2001. Essa estratégia não é nova em mundiais, e é usada em situações de tempo duvidoso/loteria climática. Mas na Argentina funcionou para os Australianos, com o LS4 “G4” assumindo o segundo lugar na geral no último dia, e com o outro LS4 “PB” pulando para nono lugar (e me tirando dos top 10) no último dia – largaram 20 minutos antes de mim.

As 7:30 eu acordava o Claude com um “monsieur Buchou, planeur”, e íamos cuidar do YY: limpeza das asas, baterias, e levar para o grid que abria em geral as 8:00 - como não tinha que lastrear, era rápido. O Marcel e Leo faziam o mesmo para o JB, e nós quatro passávamos essa primeira hora da manhã nesta gostosa terapia que é cuidar da sua aeronave, ouvindo de U2 a marchinhas alemãs de gosto duvidoso. YY e JB geralmente eram os primeiros a chegar no grid – lado a lado, para facilitar na tarefa de se encontrar depois do desligamento.

As 9:00 tínhamos o melhor café da manhã do mundo, by Tia Carol e Vó.

As 10:00 o Marcel ia para o team captain briefing, e voltava com as provas. Às vezes tínhamos 4 provas (A, B, C e D – isso quando não criavam uma prova híbrida na pista), sinal que a meteorologia não tinha informações que assegurasse o completo entendimento do dia. Eu colocava as provas em dois navegadores, o que fazia antes do briefing dos pilotos as 11:00.

Depois do briefing dos pilotos o Batata ia direto pegar informações mais detalhadas com o meteorologista oficial do campeonato, o Lucas, e as 11:30 abríamos um grande mapa e o Batata começava a dar as dicas. Em geral fazia isso primeiro para o Pimenta e Matheus, e depois para eu e o Gugui, falando de quencas, arroyos, montanhas, áreas ruins e boas. (nota incidental: eu voei no Sulamericano em Tres Arroyos em 2001, mas foi um campeonato marginal e não explorei muito a região. Era meu segundo campeonato de Libelle, fiquei em 6º, tivemos umas 8 provas, nenhuma com mais de 250km. Todo santo dia desmontava a Libelle devido ao aviso de “tormentas muuuuuuy severas”).

Também atentávamos para onde as outras classes estariam voando - em um dia especificamente o Matheus e Pimenta nos ajudaram bastante: estávamos uma térmica (vagabunda, por sinal) atrás, tentando entrar em planeio final, e eles nos passaram informação sobre a térmica que eles estavam girando, que era destacadamente melhor e deve ter me dado uns 2 minutos de vantagem na prova (em um mundial, isso significa umas 5 posições).

Depois da decolagem, o Claude ia para a frequência Francesa, o Batata para a frequência Alemã, e ocasionalmente o Marcel ouvia a Argentina. O silêncio a bordo é de ouro, por isso somente em certos momentos eu monitorava a frequência inglesa - eles tem o hábito de usar a mesma frequência para todas as classes, e as vezes eu conseguia informações interessantes de outras classes que já largaram e davam dicas de como estava a coisa lá na frente.

No solo a informação era consolidada no Batata e ele nos repassava já filtradas. Por exemplo, em um dia podre: “os alemães estão querendo largar, mas não querem ser os primeiros a sair, não querem ir sozinhos”, “planeio final está sustentando”, “planadores pousando fora no planeio final, venha com reserva”, etc.

E o fim do dia às vezes terminava com pouso fora – foram 3, incluindo um com 23 planadores no mesmo arado, onde dei uma Junqueirada (*) clássica. 
(*) O Pimenta me perguntou o que era “dar uma Junqueirada”. “Junqueirar” é um verbo pluriapto, centrado em um só tema que é repetir os atos do nosso mestre Junqueira. Os pilotos de Bauru conhecem toda a variada gama de “Junqueiradas”, e dado ao amplo repertório vou pular as menos poéticas (como por exemplo o uso da palavra “picas”) e focar nas Junqueiradas Clássicas - Classic Junqueira Style: (1) ao pousar fora, pousar no ponto mais equidistante do arado, para ganhar alguns pontos; (2) ao assumir que todos não completarão e que a prova vai virar uma prova de distância, dar as costas para o vento e ir pousar lá na PQP (ou em Goiaminas); (3) nunca desistir de uma prova ou campeonato; etc, etc.

Os planadores

Não tem planador ruim em mundial. Mas alguns tentavam se sobressair por serem simplesmente excepcionais, como os dos Alemães (Libelle e dois LS1). Também a se destacar os Cirrus dos Checos, os Cirrus e LS4 Ingleses, e os Brawo Poloneses. Como foi um campeonato meteorologicamente muito complicado, se existia alguma diferença entre os planadores, essa não pôde ser muito notada. O que posso dizer é que se eu fosse selecionar os 10 melhores planadores da Club Class, o YY certamente estaria entre eles. Eu conseguia subir igual ou ligeiramente melhor que outros Jantars de ponta (Argentinos e Franceses), e andar igual – o que mostra que o P&B estava no seu ponto ótimo. E a instrumentação (Cambridge) estava perfeitamente calibrada, o que pude comprovar quando conseguia fazer sistematicamente planeios finais melhores que planadores iguais ou superiores.

Sobre o tipo de planador: o forte vento favorecia os ASW20, e as térmicas “rotas” favoreciam os Cirrus e os LS1. Os Jantars ficavam ali, em um interessante meio do caminho. Acho que no final das contas o tipo de planador não influenciou o resultado. Quem ganhou o faria com qualquer aeronave. Talvez em campeonatos mundiais com dias mais similares, onde as diferenças mais sutis aparecem, o tipo de planador possa fazer a diferença. Não foi o caso na Argentina.

Antes do mundial, eu estudei e comparei as polares de cada planador, para saber as vantagens e desvantagens, e em qual situação meteorológica estas poderiam aparecer. Também pela minha experiência na França eu sabia sobre os detalhes que as polares não te contam: como cada planador se comporta no vôo dinâmico, entre-térmicas, e nas térmicas. Isso foi importante, pois dependendo das condições meteorológicas do dia, eu sabia o que fazer para alcançar ou despachar um bandão sabendo quais tipos de planadores estavam lá.

Na World o Pimenta tinha um planador + carreta muito bons, e o Matheus tinha um planador que carecia de uma tomada de energia total para compensação do vário. O PW-5 dele usava aquela tradicional cápsula da PZL, que de fato se está adequada para o tipo de planador e tem a dimensão correta de mangueira (o que era o caso), até que faz um serviço decente. Mais uma vez: se fosse um campeonato mais equalizado, onde as pequenas diferenças aparecem, isso poderia ser um handicap para o Matheus. Mas talvez o mais importante tenha sido o Matheus ter feito um vôo de teste, ter gostado da compensação do instrumento, e ter realmente acreditado nisso. A partir desse momento ele possivelmente voou até melhor que um piloto com uma compensação melhor, mas que está grilado. Nossa mente é fantástica, um pensamento positivo vale mais que muito instrumento, e o Matheus soube aproveitar isso.

Vôos perigosos

Até a metade do campeonato, era certo para mim que um de nós (os quase 100 pilotos) não voltaria para casa. Racionalmente simples assim. Aconteceu nos mundiais passados, e do jeito que a coisa caminhava, ia acontecer neste.

Tínhamos térmicas extremamente turbulentas pelo vento que chegou a 70km/h, com base baixa, com alguns pilotos um pouco mais agressivos, planadores com grandes diferenças de carga alar (dos 30 kg/m2 dos PW-5 aos 52 kg/m2 dos Discus 2) e situações onde em uma única térmica potencial haviam 3 centros, e os pilotos ficavam alternando entre um e outro centro, girando em sentidos contrários. Às vezes a batalha era simplesmente conseguir chegar até a linha de largada, que estava sempre contra o vento, e conseguindo chegar lá a qualquer altura minimamente decente já se dava a largada. Então pode-se imaginar como eram os bandões antes da largada – o que não quer dizer que a situação melhorava depois da largada... Em cada vôo eu tinha um casi-mid-air (ou seja, onde foi necessário uma manobra abrupta com deflexão total de comando para não bater, ou não tinha nada a fazer e não bateu porque não bateu), fora outras várias situações bem críticas. Mas era assim que se voava. Não estou dizendo que isso é o certo, e que o fato de ser um mundial justifique tudo - estou dizendo o que acontecia. Também não quero posar de santo: em um dado momento alguns (vários) pilotos de ponta estavam voando assim, estabeleceu-se implicitamente um status quo, eu aceitei as coisas como estavam acontecendo, entrei no jogo e a partir daí virei parte do problema também.

Depois de vários dias cutucando a onça, tivemos uma reunião de pilotos e um piloto Inglês – Jez Hood, da Standard Class – pediu a palavra e disse que ”já estive em 5 mundiais e nunca vi algo tão perigoso como estou vendo aqui”. Na sequência o Brian Spreckley resolveu agir com mais rigor e tomou umas medidas, como por exemplo criar uma ficha para fazer denúncia velada.

Um dia estávamos uns 15 planadores girando uma térmica que pegamos a pouco mais de 200 metros de altura com vento de 50km/h – ficamos mais de 20 minutos nessa térmica. Era o final de uma prova muito difícil onde somente 5 pilotos chegaram A maneira como todos se comportavam naquela térmica específica, que já era uma das últimas do dia, depois de um exaustivo vôo, todos querendo ganhar os 300 metros que nos faltavam para chegarmos em casa (ninguém conseguiu)... Naquele momento, não éramos mais pilotos, éramos algo muito próximos de sociopatas. Todos. Em um dado momento um piloto que estava mais embaixo inverteu o sentido de giro, pegou um outro centro de térmica que estava 0.2m/s melhor, e começou a subir até que os dois centros das térmicas se uniram e o sujeito continuou a subir na contramão, fazendo um lento strike de 15 planadores. Neste dia o Batata me recomendou que fizesse a tal cartinha de denúncia, e ele estava certo. Mas eu achei que era melhor cuidar de primeiro mudar o que eu estava fazendo, para então poder cobrar dos outros.

Nos outros dias a base subiu um pouco, passei a notar uma clara mudança no estilo de vôo dos pilotos mais agressivos, e a coisa acalmou - houve somente um toque de asa na World, do Laurent Couture. Mas já estávamos no fim do campeonato.

A equipe

O time Brasileiro funcionou de maneira coordenadamente fantástica. Era corriqueiro ouvir alguém perguntando “posso ajudar em algo?”.
O Gugui criou uma estrutura de solo que nos permitiria sentir em casa, ou seja, a performance não era afetada se ficássemos mais dias, por exemplo. Parecia aquele antigo filme do dia da marmota (Feitiço do Tempo?) onde o cara acorda todos os dias e é sempre o mesmo dia: o dia da marmota - só que a nossa Marmota era bem mais divertida. E assim voamos a última prova com o mesmo espírito de como voamos a primeira - e essa estabilidade é essencial para resultados em campeonatos de longo prazo.

O Claude é o equipe. Só fala o estritamente necessário (comportamento muito apreciado em Minas Gerais), tem o dobro da minha experiência e o triplo do meu juízo. É um dos poucos caras que eu realmente ouço. Vive la France.

O Pimenta me surpreendeu positivamente quando vi que o seu indefectível semblante não era fachada pois vinha mesmo de um inabalável caráter. Em mundiais vc tem que ter estômago para agüentar os dias ruins, e tem que ter serenidade para não se embebedar com os louros da vitória - normalmente os excessos são castigados e nesse quesito o Pimenta mandou muito bem, agregando uma boa dose de serenidade a equipe.

O Matheus, para mim, é hoje o melhor piloto Brasileiro para nos representar no Mundial Junior, o berço de vários campeões. Seria bom se ele conseguisse treinar mais, pois o Mundial Junior também é cascudo (*). Poucos pilotos têm o dom de não precisar treinar para voar bem. O Batata é um deles. Eu não sou um deles. Então se vc não tem apelidos tubérculos, é melhor treinar.
(*) O holandês Tim Kuijpers, atual campeão mundial júnior, ficou em 4º na Club Class, e o alemão Felipe Levin, campeão mundial júnior de 2009, ficou em 3º na Standard Class neste mundial. Vários pilotos de ponta Checos, Poloneses, Franceses, Alemães e Ingleses passaram pelo Mundial Junior.

O resultado

Fiquei em 11º, e isso não era o que eu queria, simples assim. Fiquei a 12 pontos do Top 10, e a 159 pontos do Top 5.
Sobre o resultado da equipe como um todo, tudo o que eu posso dizer é que foi um campeonato onde o fator sorte/loteria foi destacadamente acima do normal. Essa é a única explicação minimamente razoável que eu encontro para tentar compreender a performance de alguns times de ponta como os Franceses, Ingleses e Poloneses. Talvez o caso mais emblemático seja o do time alemão. Tinham o então campeão mundial (Arndt Hovestadt, de Libelle), o campeão alemão Simon Ruopp que ficou em 6º no pré-mundial em Chaves ano passado, e o Marco Barth, que voou o que esse ano foi o nacional Argentino, em Rafaela, ganhando e colocando mais de 500 pontos em cima do Damian. Ou seja, tinham boas aeronaves, grandes pilotos, conhecimento da região, um time com meteorologista, subsídio, etc. E tiveram como melhor colocação no Mundial um 27º lugar. Não tenho dúvida que vou ver esses nomes no topo da lista no próximo mundial, então o que aconteceu? 
Eu particularmente não acredito em sorte. Sorte é estar no lugar certo, na hora certa. E para estar no lugar certo, na hora certa, vc tem que treinar. Logo, sorte = treino. Mas essa equação não funcionou para todos na Argentina.

Mas vou falar da minha estratégia, que é a única que me cabe opinar.

O nível em um mundial é muito alto. O último colocado possivelmente é um campeão nacional no país dele, por exemplo. Como manda o Helmut Reichmann, estudei cada um dos participantes e vi que mais da metade dos pilotos tinham um curriculum impressionante. Some-se a isso o meu desconhecimento sobre qual o real nível do vôo a vela Brasileiro frente aos melhores do mundo, e resolvi que era melhor traçar algum objetivo durante o treino, depois de analisar a situação in loco. Porque é uma armadilha perigosa focar em um resultado estático, sem ter a completa noção do todo - se um objetivo se mostra inalcançável logo no início, isso gera frustração e aí a performance vai pro saco mesmo.

Optei por focar em tirar 100% do que eu podia, todos os dias, e se o vôo em equipe funcionasse, eu poderia chegar a 105% (ou seja, voar uns 3 km/h mais veloz do que voando sozinho). E o resultado seria então uma conseqüência.

Bem, logo no início percebi que a distância de Brasil versus Resto do Mundo não era tão grande assim. No dia de treino (ok, treino é treino mas esse foi muito sério simplesmente por ter sido o único), não usei muito os bandões, voei nas minhas decisões e foi legal, fiquei em 5º mesmo tendo jogado 1km/h fora por usar um ponto errado (treino é para isso...). Também tive um resultado bom que não apareceu, a primeira prova que foi cancelada, ficando em 5º.

Depois fui alternando resultados bons com dias não tão bons, mas que também eu via como dias onde escapei de grandes roubadas. E vi que sim, dá para voar de igual para igual com os melhores. A minha conclusão é que eu tenho CERTEZA que dá para o Brasil colocar um piloto no pódio novamente. Acredito que os pilotos de ponta do Brasil conseguem sim competir de igual para igual com os melhores. Hoje, estou mais certo disto do que nunca.

Uma pessoa sem sonhos é uma pessoa triste e espero poder representar o Brasil novamente no próximo mundial. O sonho da bandeira tremulante apenas ficou mais forte.