Aos 82 anos, o tcheco Zdenek Peter Vaclav Volf é o mais idoso piloto a voar sozinho no Brasil em um planador --avião sem motor--, segundo a Federação Brasileira de Voo a Vela.

Engenheiro-agrônomo e piloto desde os 15, a aventura de Volf começou em 1953, quando roubou um avião do Exército Tcheco para fugir da Guerra Fria. Em seguida, veio para o Brasil, onde participa de campeonatos em planadores --atualmente, vive em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo).

Leia abaixo o depoimento dele:

O tcheco Zdenek Peter Vaclav Volf, 82, em sua casa no Jardim Irajá, em Ribeirão Preto

Márcia Ribeiro/Folhapress

Vi um planador pela primeira vez aos quatro anos de idade [1934], na minha cidade, Klatovy, na então Tchecoslováquia [atual República Tcheca].

Quando os alemães ocuparam meu país [na Segunda Guerra (1939-45)], eles ampliaram o aeroporto, construíram hangares e colocaram uns 50 planadores de treinamento.

Pegavam meninos de 15 anos e botavam dentro de um. Na ocasião, [Adolf] Hitler [1889-1945] precisava de milhares de pilotos.

Quando eu tinha 15 anos, com o fim da Segunda Guerra [em 1945, e a derrota dos nazistas], eram os soviéticos que estavam no meu país. Eles chamavam os jovens: "Quem quer voar?" Todo mundo queria.

Como piloto, fiz quatro recordes tchecos [em distância percorrida], o primeiro aos 21 anos. Ganhava um campeonato atrás do outro. Voava todos os dias. Quando não, ficava triste no chão.

A FUGA

Para mim, política tanto fazia. Eu queria era voar.

Aos 15, não percebia nada. Mas depois, na faculdade, via a perseguição política. Se eu tivesse continuado lá, ia morrer. Eu não me conformava. Por que, diabos, se o cara não gostava de política, deveria ser perseguido? Tinha de fugir dessa opressão [do regime comunista na Tchecoslováquia] para um país livre.

Decidimos fugir, eu e meu colega Jorge [como ele chama Jiri Werthmeir].

Roubamos um avião [do Exército Tcheco]. Era dezembro de 1953, um dia com muitas nuvens, temperatura de zero grau. Péssimo tempo para voar. E, justamente por isso, ótimo tempo para fugir.

Quem vai pensar que com um tempo louco daquele, dois malucos vão voar? O castigo para a fuga era a forca.

Eu era o oficial do dia. Mandei abastecer o avião. O mecânico estranhou, porque não havia voo programado.

Falei: "Jorge, entra atrás". Mais uma coisa estranha: colocar outra pessoa atrás. Os mecânicos me olharam de forma estranha. Ordenei: "Tira os calços. Tira os calços".

A pista era longe, depois dos alojamentos. Eu acelerei com toda a força e fui raspando o chão. Levantei voo em cima do hangar. E... tchau.

Quando eu decolei, saíram caças atrás. Aliás, tudo o que tinha asa decolou para nos pegar. Só que não havia radar de tiro naquela época --e nós contávamos com isso.

CORTINA DE FERRO

O voo demorou pouco menos de uma hora. Voamos baixíssimo, entre as árvores. Olhei para a frente e vi uma montanha, bem na nossa cara. Aí o motor congelou. Ele pipocava. O avião começou a subir, até o topo.

Quando cheguei lá, apareceu uma tora de madeira com dois ou três homens com submetralhadora. Eu vi um apontando para a minha cara.

Esta tora era uma das colunas da cortina de ferro [que separava os comunistas do Ocidente]. Voamos bordeando o arame farpado. Havia uma torre assim a cada dois quilômetros. Quando vi a torre do lado direito, pensei: "Já estou na Bavária [Alemanha Ocidental]. Estou livre!"

Quando passamos a fronteira, Jorge falou: "Pronto, podemos pousar, porque a gasolina não vai dar". Insisti: "Vamos mais, o rio Danúbio tem lugares mais planos".

No momento em que disse isso, o motor fez: 'pla-la-la-pof'. Parou. Fim da gasolina.

"Pronto, agora virou planador", pensei. Mas eu sou piloto de planador, tanto faz.

Associated Press

Foto de 1953 de Jiri Wertheimer e Zdenek Volf (à dir.) olhando o avião recém-pousado no qual fugiram


Mantive a velocidade adequada, fui descendo. Vi uma plantação. Só deu tempo de puxar o manche. Quando íamos parar, capotamos.

NO BRASIL

Pousamos em Pfarrkirchen, na Alemanha Ocidental. Nós ficamos retidos três meses. Acho que alemães e americanos checavam se nós não éramos espiões [dos comunistas].

Quando perguntaram para qual país queríamos ir, escolhi o Brasil, porque tinha um tio morando em São Paulo. Finalmente nos colocaram no navio e desembarcamos em Santos, em 1954.

Foi uma fase triste, porque passei longos anos sem voar. Eu trabalhava em São Paulo e descobri um aeroclube em São José dos Campos. Voava lá aos fins de semana, mas só podia ficar no aeroporto.

Foi apenas quando me mudei para Ribeirão Preto (onde estava a família da mulher), com tráfego aéreo mais limpo, que voltei a competir com planador.

PLANOS

Eu tenho 82 anos. Ninguém acredita que eu voo na minha idade. Mas acho que consigo ainda uns quatro anos.

Bom, você me pergunta qual é a sensação de voar? Façamos o seguinte. Estou agora me recuperando de saúde, mas daqui a dois, três meses, quer fazer um voo comigo?

 

Fonte: Folha Online