"Ave!

Nos dias 9 e 10 de Novembro eu bati 2 recordes Brasileiros de velocidade em percursos de 300 km: em triangulo FAI (a 86.4 km/h) e em ida e volta (a 91.4km/h). Os mesmos estão pendentes de homologação, mas segue o relato dos vôos.

Passado LEM, o foco agora é o Mundial na Finlândia. Lá eu vou voar um LS1-f com PMD de 347kg (FAI Club Class), então seria melhor que eu treinasse em alguma coisa um pouquinho mais leve que o Nimbus 4T “N1” com PMD de 850kg.

Aí apareceu o Igor me oferecendo para voar o Silent IN, uma maquininha que eu vinha namorando a tempos: Uns anos atrás um amigo (o Guilherme Mammana) me ligou e convidou “vem comigo pra ver um planador perto de Poços de Caldas?”. Fui com ele e encontrei esse Silent IN, em estado impecável. O planador parecia que tinha saído da caixa, tinha uma carreta fechada zerinha. Tentei arrumar algum problema que justificasse um vôo de teste (comigo, claro!), mas não consegui achar nada. O Guilherme acabou comprando, e depois me ofereceu para voar, mas nunca casou o momento certo.

Por coincidência o Igor Volf acabou comprando o planador anos depois, e agora o Silent está hangarado em Bebedouro. O Igor tem a mão muito boa e conseguiu melhorar o que já era bom – colocou winglets, e fez um painel de primeira, com uma instrumentação formada pelo triunvirato LX V7 + Nano + Oudie. Essa é a instrumentação que metade dos planadores no Mundial na Argentina usavam. No “N1” eu uso o Oudie e o Nano como back-up do LX8000, independentes um do outro. E gostei muito deste sistema com o LX V7 + Nano + Oudie integrados: o Oudie fica muito mais esperto, a conversa com o V7 é muito amigável, e entendi porque virou a preferência número 1 dos volovelistas. Acho que vou ter que arrumar um LX V7 para levar para o Mundial...

Bem, eu estava seco para voar e já que o Silent é da Classe Olímpica (pelo handicap Alemão, o Silent tem handicap de 84, contra 85 do PW-5), por que não tentar um Record? O planeio do Silent é de 31:1, igual o PW-5. Tem um PMD de 290kg, o que dá uns 28kg/m2 de carga alar, também próximo aos 30kg/m2 do PW-5. Ia ser divertido.

Sábado dia 9 de Novembro: Cheguei sábado cedo de SP, o Igor me deu um duplo, mas realmente o planador não tem mistérios. Dei a partida na frente do hangar - o Zanzoterra sempre pega fácil apesar do nome feio – eu já tinha ouvido coisas boas sobre esse motor. Fui taxiando até a cabeceira, fiz uma “U turn” (essa é a parte onde eu não sinto falta do Nimbus), alinhei e dei full mandioca.

Os 30 cavalos relincharam furiosamente, seus cascos faiscando no asfalto. A pressão do corpo no assento fui brutal. Subindo quase na vertical, em segundos pude ver a curvatura da terra. Sim, “a terra é azul”...

Ok, não foi bem assim. Mas de fato se vc faz a clássica decolagem em “?” e mantém a velocidade correta, em nenhum momento vc sai do cone de segurança da pista. Mais seguro que muita decolagem que fazemos com planador full lastro, onde ficamos vários segundos boiando fora do cone, prometendo ser uma pessoa melhor e etc.... até entrar no cone e esquecer tudo o que prometemos.

Engatei uma térmica, desliguei o motor, e dei a largada perto das 13:00, que era o meu estimado ideal. A primeira perna foi de aprendizado, me policiando para adequar a técnica de vôo ao tipo de planador, ou seja, menos desvios laterais e mais vôo dente-de-serra. O Karl Striedieck quando voou de PW-5 em um dos primeiros mundiais da World Class disse que na hora de fazer os planeios, teve que se acostumar a olhar mais para os pés do que para a frente. E eu fiquei me acostumando a olhar para o lado e não ver asa nenhuma – 12 metros contra 26.5 metros de envergadura do Nimbus 4...

Eu estava bem impressionado com o planador, especificamente como ele gira em espaços curtos e sobe em qualquer puff. Acho que foi a primeira vez que dei pau em um urubu na térmica, desde a época em que voava os Queréus. Quando eu fechava o raio da curva, ficava com aquela sensação de quando viajava pelas “curvas da estrada de Santos”: a gente faz uma curva e vê a traseira do próprio carro. Imagino que as longas winglets tenham a ver com essa possibilidade de raios muito fechados. E para andar, ele tem um flap negativo, que é sempre bem vindo em planadores com carga alar baixa. Piloto que voa planador flapeado, quando muda para planador standard fica com a mão esquerda boba, toda hora indo à frente buscando aquele flap que não existe (não use essa de “mão boba por causa do flap” nas baladas, as moças não vão entender e vai terminar em confusão).

As térmicas estavam fortes, e consegui perto de 100km/h de média até o primeiro ponto, Miguelópolis, nas margens do rio. A previsão era de 4/8 de cobertura, e por conta disso marquei a segunda perna toda em cima do rio que faz a divisa SP/MG - o rio funciona como um gatilho natural e com os supostos 4/8 seria fácil pegar o melhor do rio (os gatilhos) e evitar as armadilhas (o sombreamento térmico das águas).

Só que estava mais seco que o previsto, menos que 1/8, e muitos buracos. E voar sobre o rio assim é dureza. Fui surfando nas margens e braços do rio, porém mais às cegas do que eu tinha planejado. Isso foi comendo a minha média pouco a pouco, até Frutal-MG, o segundo ponto. Na terceira e última perna um azul muito grande me obrigou a fazer um desvio que me tirou uns 5km/h e colocou o Recorde em risco – num dado momento eu saí da marca. Mas fui me arrastando até Barretos, onde as coisas melhoraram e o planeio final garantiu o recorde. A média das térmicas foi de 2.0m/s, ou seja, não foi um dia fantástico, e o azulão complicou bem a minha vida. Esse é um recorde que eu tenho que tentar de novo.

Quando pousei o Peter Volf tinha acabado de chegar, veio fazer umas iguarias para mim (eintopf, chucrute, joelho de porco, etc,) e não sei se era a fome mas aquilo foi um manjar dos deuses, e foi bom para recarregar a minha bateria – sábado é sempre um dia um pouco mais sofrido por conta da viagem SP-BBD.

Domingo dia 10 de Novembro: nada como uma internet dando pau para se separar os homens dos meninos quando o assunto é previsão meteorológica – para que fique claro, estou no time dos calças-curtas e pirulito redondo colorido.
Dentro do possível fiz minhas contas olhando para onde vão as formigas (como faz o Vilela), vento, temperatura, tipos de nuvens, altímetro do planador, etc. , pois eu tinha a esperança que a frente fria no Sul que ia chegar terça, tivesse avançado e tivéssemos uma pré-frontal no Domingo. Mesmo se isso acontecesse, pela distância da frente isso seria algo que iríamos saber durante o dia, e não logo de manhã. Bem, achei que seria apenas um repeteco de sábado, e por isso mesmo, como a camada superior estava secando, 1/8 de cobertura seria o ápice do dia. O dia começou ainda mais tarde, o que reforçou minha previsão – não teríamos uma pré-frontal. Embora eu tenha acertado isso, acho que fiquei tão focado nessa análise específica que me esqueci de considerar que os 2 graus a mais de temperatura, mesmo não sendo pré-frontal, seriam o bastante para dar outra característica ao dia.

Decolei rebocado dessa vez, para conhecer o planador em reboque, desliguei do Boerão e fiz o motor pegar para ter um registro no logger. O motor pega muito fácil e rápido em vôo, e como só tem uma pá, mesmo sem estar funcionando o motor não gera tanto arrasto assim quando está para fora.

Dei a largada as 13:00 novamente, já com 1/8 de cobertura, achando que ia ficar por isso mesmo. Só que as coisas não estavam funcionando, patinei um pouco na primeira perna, ficando com míseros 58km/h de média no início. Só quando estava perto do rio é que estourou o dia, e eu vi que tinha errado a previsão meteorológica e, por conseguinte, o horário de largada – deveria ter largado mais tarde.
Bem, aí o vôo engrenou, fui aumentando a média pouco a pouco, e virei o primeiro ponto (virtual, perto de Prata-MG, ao Norte) 150km fora com 76km/h de média, o que, considerando o vento de proa, significava que a marca para o record estava de novo ao alcance.

Interessante que o vento não parecia tão forte (sempre menos de 10km/h) quando eu estava mais baixo, sendo que eu calculei o vento pela sombra das nuvens e resultava em números bem mais altos. Então optei por fazer a perna de ida um pouco mais baixo, para pegar um vento de proa mais fraco, e tentar fazer a perna de volta mais alto. De fato, peguei ventos de mais de 15km/h de média na volta, quando estava mais alto. Depois olhando no SeeYou, vi que a componente de proa na perna de ida foi de 10km/h, e na perna de volta foi de 13km/h.

Embora tenha ganho então 3km/h, tem que ser levado em conta que em planadores com performance como os da Classe Olímpica, onde o vôo tipo dente-de-serra se faz mais constante e vc tem que se expor a várias camadas diferentes de altura, vc acaba não aproveitando tudo o que pode quando decide otimizar o gradiente de vento. Voar mais baixo para otimizar o vento só vale se isso não prejudica a sua capacidade de poder escolher melhor as térmicas. Ou seja, em dias bem formados, com superadiabáticas características, atmosfera instável. E claro, sempre levando em conta a faixa térmica ideal.

Na perna de volta, consegui uns caminhos interessantes, fui tocando bem, e fiz 114km/h de média nesta última perna de 150km. A título de comparação, estes 114km/h equivalem a 166km/h de Nimbus 4, então foi uma perna bem legal, e mostrou o potencial que eu poderia ter extraído do dia se eu tivesse largado no horário correto. No total, consegui bater o Record a 91.4km/h.

E o Silent IN foi o 33º tipo diferente de planador que voei.

Abraço!"

Henrique Navarro
N1